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Artigo de opinião da Médica psiquiatra Dra. Vanessa Marsden, formada pela Universidade Federal de Uberlândia, Brasil e Mestre em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

Parabéns à RAN -  a trabalhar para a recuperação.

Em primeiro lugar gostaria de parabenizar a RAN (Recuperação de Alcoólicos e Narcóticos) e sua equipa pelos mais de 20 anos de sucesso no tratamento da toxicodependência em Portugal. Longe de fazer propaganda, o texto abaixo é para elucidar como trabalha a clínica e talvez estimular abordagens semelhantes no Brasil. Infelizmente no país, a maioria das clínicas de reabilitação são baseadas em trabalho duro (na enxada mesmo) e muita religiosidade (conversão evangélica). Não quero dizer que este tipo de abordagem não funciona, mas que alternativas embasadas teoricamente, mesmo que privadas, como no caso da RAN, são sempre bem vindas. O texto abaixo é um resumo de um artigo meu publicado na Psychiatry Online. As fotos da clínica foram tiradas pela equipa. Em 2005, após terminar minha residência médica em Uberlândia – MG, recebi uma proposta de trabalho em Portugal e a oportunidade de experienciar outras formas de abordar a toxicodependência. Além da vivência em outras abordagens (políticas, sociais e culturais), o trabalho que desenvolvi no país por 3 anos foi baseado em heroinômanos, uma dependência química que, por enquanto, é praticamente inexistente no Brasil. O convite que me foi oferecido veio de uma comunidade terapêutica privada, na cidade de Vila Real, em Trás-os-Montes. A clínica obedece o Modelo Minnesota de tratamento da toxicodependência, ainda pouco conhecido no Brasil. Este modelo varia de instituição a instituição, mas todos partilham os princípios fundamentais do programa 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos (AA), criado em 1948 (Bodin, 2006). Na década de 1960, o modelo foi expandido para englobar também usuários de outras drogas (Spicer, 1993). O modelo foi trazido a Portugal em 1987, pela Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA), do Serviço de Utilização Comum das Forças Armadas Portuguesas e daí se expandiu, com diversos centros de tratamento espalhados pelo país. Com base em seu conteúdo, os 12 passos podem ser agrupados em passos decisivos, passos de ação e passos de manutenção (Makela et al., 1996). Os passos decisivos (1-3) envolvem o reconhecimento da impotência perante as drogas e a necessidade de ajuda, e a decisão de se colocar nas mãos de um Deus pessoal. Os passos de ação (4-9) envolvem escrever e compartilhar um inventório moral, buscar a resolução de defeitos de caráter através de um Deus pessoal e consertar o mal feito a terceiros. Os passos de manutenção (10-12) são de continuado auto-exame e correção, de aprofundamento na relação com o Deus pessoal através de preces e meditação, e de levar a mensagem do programa a outros usuários de drogas. A estrutura e conteúdo do tratamento O programa da comunidade terapêutica constituí-se em 84 dias de tratamento inicial, em setting residencial, seguido de 6 a 24 meses de acompanhamento pós-alta. Formada há 24 anos, a comunidade terapêutica é a base de toda estrutura, com capacidade para  mais ou menos 20 utentes.  A equipe inclui clínico geral, psiquiatra, enfermeiro, psicólogos e conselheiros, sendo alguns dos últimos toxicodependentes recuperados através do AA ou NA. Baseado nos princípios do AA/NA, o grupo terapêutico é considerado a principal arma terapêutica, fornecendo um local para identificação com outros em situação semelhante. Sessões em grupo podem tomar a forma de grupos para solução de problemas, direcionados a problemas pessoais específicos, ou sessões de confrontação, direcionadas a “destruir a negação” do paciente. Ensaios sobre a “História de Vida” e outras consequências negativas do uso de drogas são relatados na terapia de grupo. Outros tipos de grupos incluem grupos diários de leitura, nos quais os pacientes fazem reflecções ou meditações sobre a literatura do NA ou AA; palestras diárias sobre tópicos relativos aos programas e tradições do NA, desde a natureza da dependência química, conceptualizada pelo modelo de doença, à consequências médicas, psicológicas e sociais do uso de substâncias. Programas familiares são incluídos, às quartas-feiras, sob a premissa de que a dependência química é uma doença que afeta negativamente todos os membros do núcleo familiar. Finalmente, atividades físicas e passeios aos fins-de-semana são oferecidos à todos os internos. O esquema de tratamento diário geralmente contém quase todos esses elementos e, em consequência, é altamente estruturado. O acompanhamento pós-alta pode incluir atividades individuais regulares, aconselhamento em grupos ou famílias e a presença em reuniões do AA ou NA é mandatória.